📌A Banalização do Dano Moral no Direito do Trabalho: Limites da Responsabilidade Civil e o Risco da Indústria da Indenização


Introdução

O dano moral constitui um dos instrumentos mais relevantes do ordenamento jurídico para a reparação de ofensas à dignidade humana, tutelando valores imateriais como honra, imagem, integridade psíquica e autoestima. No entanto, sua aplicação, especialmente na seara trabalhista, tem suscitado intensos debates em razão de uma tendência à sua banalização.

É cada vez mais comum observar pedidos de indenização por dano moral decorrentes de situações triviais do cotidiano laboral — discussões pontuais, pequenas falhas de gestão ou desentendimentos entre colegas — que, embora desconfortáveis, não configuram efetiva violação à esfera íntima do trabalhador.

Neste artigo, analisaremos os fundamentos legais, entendimentos jurisprudenciais recentes e reflexões doutrinárias acerca do tema, destacando a importância de se preservar o caráter reparatório e pedagógico da indenização sem transformá-la em mecanismo de compensação para meros dissabores.

  1. O Fundamento Legal do Dano Moral

A responsabilidade civil por dano moral tem base nos artigos 186 e 927 do Código Civil, que dispõem sobre a obrigação de reparar o dano decorrente de ato ilícito. Na esfera trabalhista, o tema encontra reforço no artigo 223-A e seguintes da CLT, introduzidos pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), os quais delimitam a reparação por dano extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho.

O art. 223-B da CLT define que o dano moral é aquele que atinge bens de natureza imaterial, como a honra, imagem, intimidade, liberdade de ação, autoestima e saúde. Já o art. 223-G estabelece parâmetros de proporcionalidade e razoabilidade na fixação do valor indenizatório, considerando a gravidade da ofensa e a repercussão do dano.

Tais dispositivos reforçam que a indenização por dano moral não se presume; exige-se a comprovação do ato ilícito, do dano e do nexo causal, em conformidade com os princípios da responsabilidade civil.
 

  1. Jurisprudência: o Limite entre o Dissabor e a Ofensa Moral

O entendimento predominante nos tribunais trabalhistas tem se consolidado no sentido de coibir a banalização do instituto, reservando a indenização apenas a casos em que haja efetiva violação de direitos da personalidade.

Um exemplo recente vem do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região:

“DANOS MORAIS. SITUAÇÕES PONTUAIS E ESPORÁDICAS. DISSABORES. INDENIZAÇÃO NÃO CONCEDIDA. O dano moral, para sua caracterização, exige prática de ato ilícito, ocorrência de um dano e nexo de causalidade entre ambos. Todavia, a concessão da indenização por danos morais deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Meros dissabores resultantes de situações ocorridas no ambiente de trabalho não podem dar ensejo ao recebimento de indenização por danos morais, sob pena de banalização e desvirtuamento do instituto. Recurso da Ré a que se dá provimento.” (TRT-9 – RORSum: 0000683-75.2023.5.09.0965, Relator: Paulo Ricardo Pozzolo, julgado em 08/05/2024, 6ª Turma).

A decisão reflete a preocupação do Judiciário com o uso desmedido da indenização moral como forma de compensação de pequenas frustrações. A jurisprudência, portanto, delimita que nem toda contrariedade vivenciada no trabalho enseja reparação, sendo necessário diferenciar o dano efetivo do mero aborrecimento.

 

  1. O Perigo do “Demasiado Melindre”

A doutrina é uníssona ao reconhecer a importância do instituto, mas alerta para o risco de sua trivialização. Conforme salientam diversos autores, “não se pode almejar que todo e qualquer dissabor redunde em indenização por danos morais, sob pena de estimular demasiado melindre ou mesmo banalizar instituto tão importante em nosso ordenamento jurídico.”

O ambiente de trabalho, por sua natureza dinâmica, envolve conflitos, discussões e frustrações inerentes às relações interpessoais e hierárquicas. Exigir um padrão idealizado de harmonia absoluta seria ignorar a própria realidade social. Assim, o Direito deve intervir apenas quando comprovado o excesso, caracterizado por conduta abusiva, discriminatória ou atentatória à dignidade do trabalhador.

Em outras palavras, a responsabilidade civil não se presta a reparar o mero desconforto emocional decorrente de exigências profissionais ou divergências de opinião, mas sim a proteger a esfera personalíssima do indivíduo diante de ofensas graves e injustificáveis.
 

  1. Casos Práticos e Controvérsias Atuais

A banalização do dano moral pode ser observada em demandas envolvendo, por exemplo:

  • Chamadas de atenção do superior hierárquico em público, sem exposição vexatória ou humilhação;
  • Negativas de promoções ou benefícios, sem discriminação ou desvio de finalidade;
  • Advertências disciplinares, desde que aplicadas dentro da legalidade e proporcionalidade;
  • Discussões pontuais entre colegas ou gestores, sem repercussão na saúde mental do trabalhador.

Tais situações, embora gerem desconforto, não configuram dano moral indenizável. Em contrapartida, práticas como assédio moral reiterado, discriminação, exposição pública vexatória ou retaliações injustificadas ultrapassam o limite da razoabilidade e merecem, sim, a tutela reparatória.

O desafio, portanto, está em distinguir o aborrecimento cotidiano do verdadeiro dano moral, tarefa que exige sensibilidade judicial e prova robusta das alegações.
 

Conclusão

A crescente judicialização das relações de trabalho trouxe avanços significativos à proteção da dignidade humana, mas também o risco de transformar o dano moral em moeda de troca processual. É imprescindível que advogados, magistrados e operadores do Direito atuem com responsabilidade na interpretação e aplicação do instituto, preservando sua função ética e pedagógica, sem permitir que ele se converta em instrumento de enriquecimento sem causa.

A maturidade do sistema jurídico dependerá da capacidade de equilibrar sensibilidade e rigor técnico, reconhecendo o sofrimento legítimo, mas refutando a vitimização artificial.
 

E você, como enxerga a linha tênue entre o legítimo dano moral e o mero dissabor cotidiano no ambiente de trabalho?


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